sábado, 27 de maio de 2023

Jogador do ABC participa da fundação do Treze (XII)

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RETALHOS: Quando começou o interesse pelo futebol?

LULA: Eu ainda era criança. Jogávamos com uma bolinha de borracha, como estas que ainda hoje existem. Fui crescendo e gostando do esporte. Aos 21 anos entrei para o “21 Futebol Clube”, de uma fazenda na estrada do Marinho, chamada “Monteiro”, pertencente ao João Monteiro, que organizou o time. Isto foi em 1928.

RETALHOS: Por que a denominação?

LULA: Não sei. Ele apenas dizia que gostava deste número (risos)...

RETALHOS: Já jogava como goleiro?

LULA: Desde criança tinha vontade de jogar no gol. Quando comecei a treinar fui para a posição. Deu certo porque eu gostei e eles (os outros jogadores) também. O Treze havia sido fundado (1925) E em maio do ano seguinte foi fundado o Ipiranga. Existiam ainda o Palestra e o Comercial... Cheguei em Campina Grande (1928) e tive e acompanhei todos os clubes praticamente nos primeiros anos de vida.

E prossegue o importante depoimento:

“O Treze era formado por pessoas que trabalhavam no comércio: empregados ou proprietários de estabelecimento, além de funcionários públicos. O beque Lima era empregado da empresa de Tito Sodré; Zé Eloy ourives. Zé Castro negociava com couro. Zacarias “Cotó” (tinha este apelido por ser baixinho), trabalhava numa farmácia... Era considerado o time da elite. Já o Ipiranga era composto por pessoas mais simples, a maioria mecânicos e agricultores, sendo chamado de “o time dos negros”, isto durante anos, pois era composto praticamente por pessoas desta cor. Quando cheguei ao Ipiranga, três anos depois, o mais alvo era eu (risos)...

Dia de jogo entre Treze e Ipiranga, o campo ficava lotado. Havia uma rivalidade entre os dois e a torcida trezeana não admitia que o time) perdesse. Então, quando era jogo contra o Ipiranga o presidente Antônio Miguel, que era rico, mandava buscar na sexta-feira, três jogadores de Natal, Poty, Rodolfo e Glicério (negrito do JORNAL DA GRANDE NATAL), que ficavam hospedados na casa do diretor alvinegro. Somente uma única vez o Ipiranga, até 1929, conseguiu vencer o Treze. No restante dos jogos empatou ou foi derrotado.

O Treze acabou o time ainda em 1929 por um entendimento entre eles (jogadores e diretores). Neste mesmo an se acabariam também o Palestra e o Comercial. Já a Revolução ocorreu em outubro/1930 e não alterou em nada o futebol. Os jogos continuaram acontecendo normalmente.

RETALHOS: O senhor foi goleiro do Ipiranga durante quase sete anos. Como se deu a ida para aquele clube?

LULA: Em 1930 eu me associei. Mas tinha ocupações na agricultura e só comecei a jogar em 1931. O uniforme encarnado e branco. Nós jogávamos muito, tanto aqui, contra os clubes locais, como em João Pessoa. Ipiranga, o Paulistano, o CAC (Centro Atlético Campinense), o Sete e um time do Monte Santo (não lembro o nome deste).

Os quatro primeiros disputavam o Campeonato da Cidade. O CAC era formado pelos jogadores do Treze em 1929.  Já o Sete era o time do Curtume dos Motta, também muito bom.

Recordo que as partidas eram realizadas em dois campos: do Comercial e Palestra. Na Prata (hoje é o templo da “Assembleia de Deus”), ficava o campo do Palestra, cercado de folhas de zinco. O do Comercial ficava próximo à SANBRA (Sociedade Algodoeira do Nordeste), sendo este murado. Todos de areia, marcados, não existindo grama. Não havia redes. Somente depois que deixei de jogar começaram a colocá-las. Já o juiz não usava roupa especial. Era paisano mesmo: de paletó, gravata e chapéu!

RETALHOS: Os jogos contra clubes da capital eram realizados também em João Pessoa?

LULA: Sim. Saíamos no sábado pela manhã até Itabaiana. Depois, pegávamos outra linha para João Pessoa. Chegávamos à tarde, indo para o hotel. O jogo era no domingo.

RETALHOS: Quais os times de João Pessoa que enfrentou?

LULA: Palmeiras, Pytaguares, Vasco da Gama, Cabo Branco, América Aliás, nos times de João Pessoa nós dávamos de “macaca” (risos)... Fomos vitoriosos em todas as partidas, exceto duas: uma vez contra o América, quando perdemos, e contra um time de Bayeux, com quem empatamos em 2 x 2.

RETALHOS: Qual o time mais forte que enfrentou?

LULA: O Palmeiras de João Pessoa, quando vencemos por 1 x 0. Outro grande clube foi o América, também da capital. Este jogo nós perdemos, sendo o gol marcado pelo filho do Ministro José Américo de Almeida, que praticamente era o dono da equipe. Depois ele faria parte do Botafogo.

RETALHOS: Esta fotografia do Ipiranga foi tirada em que ano?

LULA: Em 1932, no campo do Comercial. Ao lado dos atletas, estão os diretores do clube. Entre eles está Mestre Inácio, praticamente o dono do time, tinha uma oficina mecânica e, para quem era seu funcionário, ele arranjava uma vaga para jogar. Quando alguém lhe procurava pedindo emprego dizia: “Emprego eu não tenho. Mas existe bastante trabalho e uma vaga para jogar no Ipiranga...” (Nota: no entendimento do pessoal da época, “emprego” normalmente significava trabalhar pouco e receber salário...)

RETALHOS: E este garotinho que sentado à sua frente?

LULA: Ele estava no campo no dia do jogo. Na hora da foto, aproximou-se de mim e acabou saindo na fotografia. Não estava nada planejado. Muitos anos depois, tive notícias dele, através de uma pessoa que me contou que o encontrara em um barzinho na praia, em João Pessoa. Mas nunca soube o nome. Ao meu lado está Mira, o full-back (zagueiro), que morreu há poucos anos.

RETALHOS: Quando o senhor parou de jogar futebol?

LULA: Em 1938. Eu casara em 1935 e já era pai de três filhos. Então pensei seriamente e resolvi abandonar a carreira de atleta. O time era pobre, não tinha uma “caixa de remédios” (uma pequena “farmácia”) para os atletas, como existia no Treze, por exemplo. Se eu me machucasse sério e perdesse o trabalho, ficaria difícil para minha família. Então resolvi abandonar o esporte. Ainda acompanhei futebol durante muitos anos, mas a partir daí como torcedor.

 

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