Entrevista histórica ratifica Zé Rodolfo entre os 13 amigos do Galo da Borborema
RETALHOS:
Quando começou o interesse pelo futebol?
LULA:
Eu ainda era criança. Jogávamos com uma bolinha de borracha, como estas que
ainda hoje existem. Fui crescendo e gostando do esporte. Aos 21 anos entrei
para o “21 Futebol Clube”, de uma fazenda na estrada do Marinho, chamada “Monteiro”,
pertencente ao João Monteiro, que organizou o time. Isto foi em 1928.
RETALHOS:
Por que a denominação?
LULA:
Não sei. Ele apenas dizia que gostava deste número (risos)...
RETALHOS:
Já jogava como goleiro?
LULA:
Desde criança tinha vontade de jogar no gol. Quando comecei a treinar fui para
a posição. Deu certo porque eu gostei e eles (os outros jogadores) também. O Treze
havia sido fundado (1925) E em maio do ano seguinte foi fundado o Ipiranga.
Existiam ainda o Palestra e o Comercial... Cheguei em Campina Grande (1928) e tive
e acompanhei todos os clubes praticamente nos primeiros anos de vida.
E
prossegue o importante depoimento:
“O
Treze era formado por pessoas que trabalhavam no comércio: empregados ou
proprietários de estabelecimento, além de funcionários públicos. O beque Lima
era empregado da empresa de Tito Sodré; Zé Eloy ourives. Zé Castro negociava
com couro. Zacarias “Cotó” (tinha este apelido por ser baixinho), trabalhava
numa farmácia... Era considerado o time da elite. Já o Ipiranga era composto
por pessoas mais simples, a maioria mecânicos e agricultores, sendo chamado de
“o time dos negros”, isto durante anos, pois era composto praticamente por
pessoas desta cor. Quando cheguei ao Ipiranga, três anos depois, o mais alvo
era eu (risos)...
Dia
de jogo entre Treze e Ipiranga, o campo ficava lotado. Havia uma rivalidade
entre os dois e a torcida trezeana não admitia que o time) perdesse. Então,
quando era jogo contra o Ipiranga o presidente Antônio Miguel, que era rico,
mandava buscar na sexta-feira, três jogadores de Natal, Poty, Rodolfo e
Glicério (negrito do JORNAL DA GRANDE NATAL), que ficavam hospedados na
casa do diretor alvinegro. Somente uma única vez o Ipiranga, até 1929,
conseguiu vencer o Treze. No restante dos jogos empatou ou foi derrotado.
O
Treze acabou o time ainda em 1929 por um entendimento entre eles (jogadores e
diretores). Neste mesmo an se acabariam também o Palestra e o Comercial. Já a
Revolução ocorreu em outubro/1930 e não alterou em nada o futebol. Os jogos
continuaram acontecendo normalmente.
RETALHOS:
O senhor foi goleiro do Ipiranga durante quase sete anos. Como se deu a ida
para aquele clube?
LULA:
Em 1930 eu me associei. Mas tinha ocupações na agricultura e só comecei a jogar
em 1931. O uniforme encarnado e branco. Nós jogávamos muito, tanto aqui, contra
os clubes locais, como em João Pessoa. Ipiranga, o Paulistano, o CAC (Centro
Atlético Campinense), o Sete e um time do Monte Santo (não lembro o nome
deste).
Os
quatro primeiros disputavam o Campeonato da Cidade. O CAC era formado pelos
jogadores do Treze em 1929. Já o Sete
era o time do Curtume dos Motta, também muito bom.
Recordo
que as partidas eram realizadas em dois campos: do Comercial e Palestra. Na
Prata (hoje é o templo da “Assembleia de Deus”), ficava o campo do Palestra,
cercado de folhas de zinco. O do Comercial ficava próximo à SANBRA (Sociedade
Algodoeira do Nordeste), sendo este murado. Todos de areia, marcados, não
existindo grama. Não havia redes. Somente depois que deixei de jogar começaram
a colocá-las. Já o juiz não usava roupa especial. Era paisano mesmo: de paletó,
gravata e chapéu!
RETALHOS:
Os jogos contra clubes da capital eram realizados também em João Pessoa?
LULA:
Sim. Saíamos no sábado pela manhã até Itabaiana. Depois, pegávamos outra linha
para João Pessoa. Chegávamos à tarde, indo para o hotel. O jogo era no domingo.
RETALHOS:
Quais os times de João Pessoa que enfrentou?
LULA:
Palmeiras, Pytaguares, Vasco da Gama, Cabo Branco, América Aliás, nos times de
João Pessoa nós dávamos de “macaca” (risos)... Fomos vitoriosos em todas as
partidas, exceto duas: uma vez contra o América, quando perdemos, e contra um
time de Bayeux, com quem empatamos em 2 x 2.
RETALHOS:
Qual o time mais forte que enfrentou?
LULA:
O Palmeiras de João Pessoa, quando vencemos por 1 x 0. Outro grande clube foi o
América, também da capital. Este jogo nós perdemos, sendo o gol marcado pelo
filho do Ministro José Américo de Almeida, que praticamente era o dono da
equipe. Depois ele faria parte do Botafogo.
RETALHOS:
Esta fotografia do Ipiranga foi tirada em que ano?
LULA:
Em 1932, no campo do Comercial. Ao lado dos atletas, estão os diretores do
clube. Entre eles está Mestre Inácio, praticamente o dono do time, tinha uma
oficina mecânica e, para quem era seu funcionário, ele arranjava uma vaga para
jogar. Quando alguém lhe procurava pedindo emprego dizia: “Emprego eu não
tenho. Mas existe bastante trabalho e uma vaga para jogar no Ipiranga...”
(Nota: no entendimento do pessoal da época, “emprego” normalmente significava
trabalhar pouco e receber salário...)
RETALHOS:
E este garotinho que sentado à sua frente?
LULA:
Ele estava no campo no dia do jogo. Na hora da foto, aproximou-se de mim e acabou
saindo na fotografia. Não estava nada planejado. Muitos anos depois, tive
notícias dele, através de uma pessoa que me contou que o encontrara em um
barzinho na praia, em João Pessoa. Mas nunca soube o nome. Ao meu lado está Mira,
o full-back (zagueiro), que morreu há poucos anos.
RETALHOS:
Quando o senhor parou de jogar futebol?
LULA:
Em 1938. Eu casara em 1935 e já era pai de três filhos. Então pensei seriamente
e resolvi abandonar a carreira de atleta. O time era pobre, não tinha uma
“caixa de remédios” (uma pequena “farmácia”) para os atletas, como existia no
Treze, por exemplo. Se eu me machucasse sério e perdesse o trabalho, ficaria
difícil para minha família. Então resolvi abandonar o esporte. Ainda acompanhei
futebol durante muitos anos, mas a partir daí como torcedor.
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