Escritora e professora universitária Cellina Muniz disseca, como especialista literária, a definitiva obra sobre o ABC futebol Clube |
Artigo é análise perfeita sobre obra que transforma o poeta em prosador e historiador do futebol do RN
UM LIVRO GOL DE PLACA
Cellina Muniz
Site Saiba Mais
(19/8/2024)
Um amigo costumava
dizer que “o futebol é o craque do povo”. Eu, por minha vez, costumava
concordar, mesmo que, sobre o tema, eu reconheça não saber quase nada. Pouco
sei sobre futebol, mas sei duas ou três coisinhas sobre livros e é sobre o novo
livro do jornalista, poeta e editor Adriano de Sousa que vou me arriscar e
chutar uns palpites neste artigo.
Estou me referindo a
“O mais querido: uma história do ABC Futebol Clube (1915-2023)”, publicado pelo
selo editorial Flor do Sal e lançado em Natal no dia 15 de agosto deste ano de
2024. E, embora eu não seja a mais autorizada a opinar e ainda esteja
degustando-o, logo de cara dou minha impressão geral: um livro para se querer
bem, destinado não exclusivamente a
amantes do futebol ou do ABC, mas sim a todos que apreciam a leitura de uma
história bem contada. Destaco, então, alguns aspectos.
Pra começar, o
aspecto gráfico do livro nos conquista logo de chofre. Que livro bonito! Todo
seu design, com as cores, as legendas, a disposição dos textos ao longo dos
capítulos, a riqueza e qualidade das ilustrações e fotografias utilizadas, tudo
na materialidade desse livro comprova que folhear suas páginas é uma verdadeira
imersão, dando-nos mesmo a sensação lúdica de uma boa partida, dessas que, à
medida que avança, mais nos contagia. E encarando-o assim, como objeto não só
cultural, mas antes de tudo material, imagino todo o processo por trás não
apenas de sua pesquisa e escrita, mas também de sua edição, o que implica
árduas tarefas como diagramação, revisão e – sobretudo! – captação de recursos
para pagar todos os seus custos, que certamente foram muitos, afinal, são 417
páginas, com imagens e em cores! Sabendo que Adriano de Sousa e sua companheira
Flávia Assaf são os próprios editores, coordenadores do selo Flor do Sal, fico
pensando na trabalheira que foi não só contar a história (escrever) como também
dar-lhe forma real (publicar). O que torna mais admirável ainda esse livro.
Um segundo aspecto é
a pesquisa. O autor faz questão de frisar que não se trata de um trabalho
acadêmico, livre, portanto, de muitas das “firulas” típicas, mas não nos
enganemos: o trabalho de pesquisa de Adriano de Sousa deixa no chinelo muita
tese de doutorado que há por aí, buscando nas fontes mais diversas – livros,
revistas, jornais, sites e blogs, anuários, fascículos e entrevistas – os dados
que, organizados em uma escrita certeira, contam a história dos quase 110 anos
do ABC Futebol Clube.
E nessa história, a
história da própria capital potiguar. A história que Adriano de Sousa nos conta
revive a história de Natal, com episódios impagáveis, que vão da queixa de dom
Frei Luiz de Santa Teresa de que, de cidade, “não há tal”, no remoto ano de
1746, até os tristes e recentes anos de pandemia do coronavírus. Estão lá o
momento em que os filhos de Fernando Moço chegam de Liverpool trazendo a
primeira bola de foot-ball em 1903; o momento de inauguração do Stadium Juvenal
Lamartine em 1928; a “indiferença” de Cascudo com o futebol e os “dinheiros” de
Doutor Vicente e Dona Maria, investidores pioneiros na construção do campo e
sede do clube; dos primeiros bate-bolas na Praça André de Albuquerque em 1904
ao surgimento do Castelão em 1972; dos primeiros jogadores das Rocas e da
Ribeira aos rumores no Café São Luís sobre alguns dirigentes do ABC; das
ilustrações de Navarro ao desenho do mascote por Ivan Cabral... O que tiver
relação com o ABC e sua significativa presença na cidadeestá lá no livro. Tudo
que foi campeonato, placar, camisas, nomes e retratos de técnicos, jogadores,
patrocinadores, cronistas, torcedores, tudo está lá, devidamente acompanhado de
números, cifras, datas e mais n informações...
Diante de tanto, fico
pensando que não à toa o futebol é uma paixão mundial, e mais: o futebol é dos
mais produtivos domínios temáticos de metáforas, essa figura de linguagem que
organiza o nosso pensamento. E por falar em metáforas e linguagem, um último
aspecto que faz com que o livro de Adriano de Sousa seja um gol de placa na
bibliografia de/sobre Natal: a sua linguagem.
Quem conhece a
escrita de Adriano de Sousa não se espanta. E se delicia mais uma vez. Como é
bom ler um texto assim bem escrito! Como um artilheiro que domina a bola como
ninguém, Adriano de Sousa explora as potencialidades da língua desde o pontapé
inicial, na terna dedicatória ao seu finado tio Neco Zuza, “como paga pobre,
tardia e nostálgica pelos ingressos de geral ou arquibancada nas domingueiras
do Castelão”.
Como assinalei no
início deste texto, não sou exatamente fã do “ludopédio”. Confesso mesmo que, desde
uma noite solitária em Campinas, quando a TV me fez companhia transmitindo uma
disputa contra o Ponte Preta, eu tinha um pouquinho mais de simpatia pelo Mecão
(ainda que naquela noite o América tenha perdido por 4 X 0). Mas, depois do
livro de Adriano de Sousa, não sei mais se me enquadro entre os que não
apreciam futebol. Acho que vou mudar de time.
Em tempo: o livro
encontra-se à venda diretamente com Adriano de Sousa e Flávia Assaf, um gesto
legítimo e louvável de editores independentes. Contatos pelo Instagram:
@assafflavia @adrianode5335
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