Gilson Lustosa de Lira, de bigodão, no Operário de Várzea Grande, no Estado do Mato Grosso
José Vanilson Julião
Na terceira e última parte
da série da entrevista dividida em blocos, concedida ao site “Súmulas Tchê”, o antigo
centroavante do ABC no começo dos anos 70, Gilson Lustosa de Lira, fala dos bastidores,
da carreira e das dificuldades do futebol. Algumas frases são premonitórias e atualíssimas.
Bife foi um fenômeno em
sua época. Como explica não ter tido melhores chances em um clube grande?
Ele foi contratado pelo
futebol português. Numa temporada jogou pelo Porto e na outra voltou para o Boa
Vista se não me engano, mas não chegou a se adaptar devido ao clima. Era muito
frio e para quem saiu de Cuiabá com esse calor imenso! Sobre jogar em clubes
grandes no futebol brasileiro não era tão atrativo assim para nós. Quando fui
para o Comercial (Campo Grande) a diretoria cobriu todas as propostas que
recebi de outros clubes: fe luvas recebi um Maverick zero (1976) e mais 50 mil
cruzeiros (valor de outro carro) e mais 10 mil por mês, além de 1 mil por
vitória em partida que eu jogasse e mais o bicho que todo time receberia por
vitórias e empates. Não receberia igual em nenhum outro clube. Até no União que
era um time pequeno quando aqui cheguei conseguiram juntar uma grana e me dar
de luvas um Fusca para renovar um contrato no fim de 1975 quando fui artilheiro
do Estadual com 15 gols. Aí fiquei mais 6 meses.
Qual o melhor técnico?
Nivaldo Santana
Quem foi o pior marcador?
Em Friburgo tinha um tal
de Maduro que batia muito… no Mato Grosso apanhei bastante do Felizardo (Mixto)
e do Saborosa (Dom Bosco).
Você atuou no Rio de
Janeiro, Bahia, Paraná, Pernambuco, Goiás, Rio Grande do Norte, Mato Grosso do
Sul e Mato Grosso. Onde era mais complicado jogar?
No Rio de Janeiro há mais
técnica, mais toque de bola, mais malandro no bom entendimento. Em São Paulo e
no Sul é mais competitivo e com mais força nas disputas de bola.
Qual o melhor gramado?
Maracanã, Serra Dourada,
Verdão e Morenão.
O último jogo?
Em Rondonópolis (Taça de
Prata) contra o Vila Nova de Nova Lima (MG) e vencemos por 1 - 0 com um gol de
cabeça aos 44’30 do segundo tempo de nossa autoria. Foi o gol 684 em minha
carreira.
Profissionalmente você
marcou 684? Com a mídia de hoje certamente você seria muito mais reconhecido não
é mesmo?
Sem dúvida. Para você
ter uma base em 1976 eu marquei 56 gols entre campeonato Estadual (23), Copa
Cuiabá, Torneio Incentivo e amistosos, mas isso ficava mais no âmbito de Mato Grosso.
A não ser os jogos oficiais que a Revista Placar noticiava os demais não.
Vendo o seu caso,
marcando tantos gols, e o Bife, dá para dizer que no geral o nosso país não tem
uma boa memória esportiva?
Não é a questão de não
ter uma boa memória, mas a época com muitas dificuldades de comunicação. Até
hoje você não vê os gols de Mato Grosso na mídia nacional não é mesmo. Imagina
naquela época.
Em 1974 o Flamengo veio
completo jogar contra o Operário no Dutrinha e empatamos em 2 - 2, vencemos a
Universidade de Craiova da Romênia (com oito da seleção) por 1 - 0 (gol nosso)
e quem ficou sabendo?
E vai por aí a fora. O
futebol de Mato Grosso para sair na mídia nacional é só quando tem briga nos
estádios ou algum outro fato que seja escândalo.
Como foi parar de jogar?
Foi triste, mas eu havia
assumido a direção da Escola Marechal Dutra e não podia ficar dividido entre as
duas funções. Aproveitei que estava numa fase excepcional no futebol e parei
por cima. Deixando 199 gols com a camisa 9 do União (sou o maior artilheiro) e
285 gols no Estado (maior artilheiro) contra 274 do Bife.
Era a hora de parar? Ou
dava para ter continuado?
No dia do jogo contra o
Vila Nova completei 32 anos, estava numa forma maravilhosa e poderia ter
esticado até aos 40. Só que naquela época passou de 30 o pessoal já te chamava
de velho, principalmente se você perdesse um gol.
Durante momentos mais
difíceis pensou em desistir?
Jamais pensei em
abandonar o futebol. Às vezes a gente fica magoado com alguns torcedores e principalmente
o pessoal da imprensa que sempre tem aqueles que nunca deram um pontapé numa
bola e quer fazer críticas sem fundamento nenhum, mas a gente sempre consegue
dar as respostas dentro do campo. E eu sempre respondia com gols.
O que o futebol lhe ensinou?
Que perseverar é uma das
maiores virtudes para quem quer vencer na vida e cuidar do corpo para suportar
a carga de trabalho que a profissão exige.
O Futebol do Mato Grosso
como do Mato Grosso do Sul encolheu da década de 80 pra cá? Existem perspectivas
de melhoras?
A cabeça de alguns
dirigentes continuou no amadorismo, pouco investimento e muita
irresponsabilidade. Não houve um trabalho na base para criar vínculo do atleta
com o clube formador. Falta de continuidade, pois o campeonato durava três
meses e depois dispensava o plantel. Não havia um calendário que preenchesse o
ano inteiro, isso só veio a acontecer de pouco tempo para cá.
Se você tivesse que
apostar em um clube dos dois estados, quem você acha que pode em um futuro mais
próximo chegar à elite do nosso futebol?
Aqui no Mato Grosso pela
estrutura que tem seria o União de Rondonópolis e em Cuiabá o Mixto. O
Luverdense e o Cuiabá também estão se estruturando de modo a evoluir. No Estado
vizinho não aposto em ninguém porque caiu muito.
Como você acha que vai
ser a recepção e acolhida do pessoal do Centro-Oeste a Copa do Mundo?
O povo Mato-grossense é
muito acolhedor e esta será uma oportunidade única para mostrar toda a nossa
cultura ao mundo. Ao lado de tudo isso temos muito a mostrar em termos de
ecoturismo. Será a Copa do Pantanal.
O que você faz hoje?
Dediquei-me de corpo e
alma à Educação. Só no Marechal Dutra trabalhei 27 anos, sendo 16 em sala de
aula e 11 como diretor. Aposentei em 2003. Também trabalhei em três emissoras
como comentarista e depois narrador e era cognominado “O microfone Artilheiro”.
Depois apresentei um programa de esporte na TV Gazeta e posteriormente na
Record News. Atualmente tenho um site com livros que escrevo. Já cheguei a um
total de 102 livros escritos, sendo que 21 já foram lançados nas escolas da
região sul de Mato Grosso com excelente aceitação entre os estudantes,
principalmente os livros de poesias românticas.
Qual o conselho para
quem está começando agora com o futebol?
Dedicar-se ao máximo à
profissão porque hoje é uma mina de dinheiro, mas manter a humildade acima de
tudo.
O que um jogador tem que
ter hoje para fazer sucesso?
Seriedade com a
profissão e dedicação total com responsabilidade.
E o que não pode ter de
maneira alguma, para não estragar a carreira?
Cair nas noites e se
entregar às festas e bebedeiras.
O futebol de hoje é
melhor ou pior do que na sua época?
Na minha época existiam
mais craques em termos de qualidade e quantidade. Hoje estão privilegiando mais
o condicionamento físico, pois o jogo ficou mais rápido e de mais pegada. Os
campos são melhores e são dadas mais condições profissionais aos craques.
Era mais fácil de se
jogar hoje ou na sua época?
É muito relativo, mas a
gente apanhava muito porque não havia exame antidoping e não existia cartão
para punir então os zagueiros batiam muito e dificilmente os juízes expulsavam.
Hoje a lei do jogo ficou melhor. O carrinho é punido com amarelo e às vezes até
vermelho. Se o atacante está rumo ao gol e é derrubado por trás o zagueiro sabe
que vai ser expulso e pensa duas vezes antes de matar um lance.
Quem é o melhor jogador
em atividade? No Brasil ainda é o Ronaldinho em um jogo ou outro ele brilha o
suficiente para nos encantar, mas precisa manter a sequência. No mundo, sem
dúvida que é o Messi (mas o do Barcelona, não o da seleção Argentina).
Dos tempos de jogador
tens alguma história engraçada para contar?
Tenho inúmeras, mas o
espaço aqui não caberia.
Você escreve poesias,
tens alguma para escrever aqui e registrar sua passagem pelo Blog?
Deixo três pensamentos
de minha autoria sobre a “palavra”, pois são mais rápidos e ao mesmo tempo mais
profundos:
A palavra é como ponta
de espada, fere muito quando é mal usada.
Quando a língua é
perversa, envenena qualquer conversa.
A palavra morre à
míngua, para quem não freia a língua.
Você foi um atleta e
depois foi atuar nas salas de aula, o futebol e a educação não deveriam andar
mais próximos?
O futebol precisa muito
mais da Educação do que esta dele. Infelizmente temos ainda muitos atletas que
praticamente só sabem assinar a súmula do jogo e se acomodam pensando que a
carreira lhe dará tudo e que o estudo não será necessário. O ideal é fazer as
duas coisas: jogar e estudar. Foi o que eu fiz. Quando encerrei a carreira já
tinha três faculdades e duas pós graduações. Hoje estou aposentado como
professor e sou muito feliz.
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