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quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

O artilheiro potiguar famoso na Região Centro-Oeste (III)

Gilson Lustosa de Lira, de bigodão, no Operário de Várzea Grande, no Estado do Mato Grosso

José Vanilson Julião

Na terceira e última parte da série da entrevista dividida em blocos, concedida ao site “Súmulas Tchê”, o antigo centroavante do ABC no começo dos anos 70, Gilson Lustosa de Lira, fala dos bastidores, da carreira e das dificuldades do futebol. Algumas frases são premonitórias e atualíssimas.

Bife foi um fenômeno em sua época. Como explica não ter tido melhores chances em um clube grande?

Ele foi contratado pelo futebol português. Numa temporada jogou pelo Porto e na outra voltou para o Boa Vista se não me engano, mas não chegou a se adaptar devido ao clima. Era muito frio e para quem saiu de Cuiabá com esse calor imenso! Sobre jogar em clubes grandes no futebol brasileiro não era tão atrativo assim para nós. Quando fui para o Comercial (Campo Grande) a diretoria cobriu todas as propostas que recebi de outros clubes: fe luvas recebi um Maverick zero (1976) e mais 50 mil cruzeiros (valor de outro carro) e mais 10 mil por mês, além de 1 mil por vitória em partida que eu jogasse e mais o bicho que todo time receberia por vitórias e empates. Não receberia igual em nenhum outro clube. Até no União que era um time pequeno quando aqui cheguei conseguiram juntar uma grana e me dar de luvas um Fusca para renovar um contrato no fim de 1975 quando fui artilheiro do Estadual com 15 gols. Aí fiquei mais 6 meses.

Qual o melhor técnico?

Nivaldo Santana

Quem foi o pior marcador?

Em Friburgo tinha um tal de Maduro que batia muito… no Mato Grosso apanhei bastante do Felizardo (Mixto) e do Saborosa (Dom Bosco).

Você atuou no Rio de Janeiro, Bahia, Paraná, Pernambuco, Goiás, Rio Grande do Norte, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. Onde era mais complicado jogar?

No Rio de Janeiro há mais técnica, mais toque de bola, mais malandro no bom entendimento. Em São Paulo e no Sul é mais competitivo e com mais força nas disputas de bola.

Qual o melhor gramado?

Maracanã, Serra Dourada, Verdão e Morenão.

O último jogo?

Em Rondonópolis (Taça de Prata) contra o Vila Nova de Nova Lima (MG) e vencemos por 1 - 0 com um gol de cabeça aos 44’30 do segundo tempo de nossa autoria. Foi o gol 684 em minha carreira.

Profissionalmente você marcou 684? Com a mídia de hoje certamente você seria muito mais reconhecido não é mesmo?

Sem dúvida. Para você ter uma base em 1976 eu marquei 56 gols entre campeonato Estadual (23), Copa Cuiabá, Torneio Incentivo e amistosos, mas isso ficava mais no âmbito de Mato Grosso. A não ser os jogos oficiais que a Revista Placar noticiava os demais não.

Vendo o seu caso, marcando tantos gols, e o Bife, dá para dizer que no geral o nosso país não tem uma boa memória esportiva?

Não é a questão de não ter uma boa memória, mas a época com muitas dificuldades de comunicação. Até hoje você não vê os gols de Mato Grosso na mídia nacional não é mesmo. Imagina naquela época.

Em 1974 o Flamengo veio completo jogar contra o Operário no Dutrinha e empatamos em 2 - 2, vencemos a Universidade de Craiova da Romênia (com oito da seleção) por 1 - 0 (gol nosso) e quem ficou sabendo?

E vai por aí a fora. O futebol de Mato Grosso para sair na mídia nacional é só quando tem briga nos estádios ou algum outro fato que seja escândalo.

Como foi parar de jogar?

Foi triste, mas eu havia assumido a direção da Escola Marechal Dutra e não podia ficar dividido entre as duas funções. Aproveitei que estava numa fase excepcional no futebol e parei por cima. Deixando 199 gols com a camisa 9 do União (sou o maior artilheiro) e 285 gols no Estado (maior artilheiro) contra 274 do Bife.

Era a hora de parar? Ou dava para ter continuado?

No dia do jogo contra o Vila Nova completei 32 anos, estava numa forma maravilhosa e poderia ter esticado até aos 40. Só que naquela época passou de 30 o pessoal já te chamava de velho, principalmente se você perdesse um gol.

Durante momentos mais difíceis pensou em desistir?

Jamais pensei em abandonar o futebol. Às vezes a gente fica magoado com alguns torcedores e principalmente o pessoal da imprensa que sempre tem aqueles que nunca deram um pontapé numa bola e quer fazer críticas sem fundamento nenhum, mas a gente sempre consegue dar as respostas dentro do campo. E eu sempre respondia com gols.

O que o futebol lhe ensinou?

Que perseverar é uma das maiores virtudes para quem quer vencer na vida e cuidar do corpo para suportar a carga de trabalho que a profissão exige.

O Futebol do Mato Grosso como do Mato Grosso do Sul encolheu da década de 80 pra cá? Existem perspectivas de melhoras?

A cabeça de alguns dirigentes continuou no amadorismo, pouco investimento e muita irresponsabilidade. Não houve um trabalho na base para criar vínculo do atleta com o clube formador. Falta de continuidade, pois o campeonato durava três meses e depois dispensava o plantel. Não havia um calendário que preenchesse o ano inteiro, isso só veio a acontecer de pouco tempo para cá.

Se você tivesse que apostar em um clube dos dois estados, quem você acha que pode em um futuro mais próximo chegar à elite do nosso futebol?

Aqui no Mato Grosso pela estrutura que tem seria o União de Rondonópolis e em Cuiabá o Mixto. O Luverdense e o Cuiabá também estão se estruturando de modo a evoluir. No Estado vizinho não aposto em ninguém porque caiu muito.

Como você acha que vai ser a recepção e acolhida do pessoal do Centro-Oeste a Copa do Mundo?

O povo Mato-grossense é muito acolhedor e esta será uma oportunidade única para mostrar toda a nossa cultura ao mundo. Ao lado de tudo isso temos muito a mostrar em termos de ecoturismo. Será a Copa do Pantanal.

O que você faz hoje?

Dediquei-me de corpo e alma à Educação. Só no Marechal Dutra trabalhei 27 anos, sendo 16 em sala de aula e 11 como diretor. Aposentei em 2003. Também trabalhei em três emissoras como comentarista e depois narrador e era cognominado “O microfone Artilheiro”. Depois apresentei um programa de esporte na TV Gazeta e posteriormente na Record News. Atualmente tenho um site com livros que escrevo. Já cheguei a um total de 102 livros escritos, sendo que 21 já foram lançados nas escolas da região sul de Mato Grosso com excelente aceitação entre os estudantes, principalmente os livros de poesias românticas.

Qual o conselho para quem está começando agora com o futebol?

Dedicar-se ao máximo à profissão porque hoje é uma mina de dinheiro, mas manter a humildade acima de tudo.

O que um jogador tem que ter hoje para fazer sucesso?

Seriedade com a profissão e dedicação total com responsabilidade.

E o que não pode ter de maneira alguma, para não estragar a carreira?

Cair nas noites e se entregar às festas e bebedeiras.

O futebol de hoje é melhor ou pior do que na sua época?

Na minha época existiam mais craques em termos de qualidade e quantidade. Hoje estão privilegiando mais o condicionamento físico, pois o jogo ficou mais rápido e de mais pegada. Os campos são melhores e são dadas mais condições profissionais aos craques.

Era mais fácil de se jogar hoje ou na sua época?

É muito relativo, mas a gente apanhava muito porque não havia exame antidoping e não existia cartão para punir então os zagueiros batiam muito e dificilmente os juízes expulsavam. Hoje a lei do jogo ficou melhor. O carrinho é punido com amarelo e às vezes até vermelho. Se o atacante está rumo ao gol e é derrubado por trás o zagueiro sabe que vai ser expulso e pensa duas vezes antes de matar um lance.

Quem é o melhor jogador em atividade? No Brasil ainda é o Ronaldinho em um jogo ou outro ele brilha o suficiente para nos encantar, mas precisa manter a sequência. No mundo, sem dúvida que é o Messi (mas o do Barcelona, não o da seleção Argentina).

Dos tempos de jogador tens alguma história engraçada para contar?

Tenho inúmeras, mas o espaço aqui não caberia.

Você escreve poesias, tens alguma para escrever aqui e registrar sua passagem pelo Blog?

Deixo três pensamentos de minha autoria sobre a “palavra”, pois são mais rápidos e ao mesmo tempo mais profundos:

A palavra é como ponta de espada, fere muito quando é mal usada.

Quando a língua é perversa, envenena qualquer conversa.

A palavra morre à míngua, para quem não freia a língua.

Você foi um atleta e depois foi atuar nas salas de aula, o futebol e a educação não deveriam andar mais próximos?

O futebol precisa muito mais da Educação do que esta dele. Infelizmente temos ainda muitos atletas que praticamente só sabem assinar a súmula do jogo e se acomodam pensando que a carreira lhe dará tudo e que o estudo não será necessário. O ideal é fazer as duas coisas: jogar e estudar. Foi o que eu fiz. Quando encerrei a carreira já tinha três faculdades e duas pós graduações. Hoje estou aposentado como professor e sou muito feliz.

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