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segunda-feira, 23 de outubro de 2023

O definitivo perfil jornalístico do pintor potiguar Pedro Grilo

O tradicional Estádio Juvenal Lamartine numa versão pictórica pelos dedos mágicos do artista norte-rio-grandense Pedro Grilo Neto 

Pedro Grilo Neto, um "borratelas" que nos devolveu em tintas o encantamento da Natal antiga

Eduardo Alexandre de Amorim Garcia (DUNGA)*

Pedro Grilo, o apelido é um trocadilho jocoso

Ele se diz morador de Areia Preta: não abre mão disso. Mora em uma casinha de taipa numa baixada do morro de Mãe Luíza, na Rua Guanabara, limítrofe dos bairros Areia Preta e Mãe Luíza, Natal. Pelos traçados da oficialidade, a casa onde mora se situa em Mãe Luíza.

A casa foi um presente do pai, que o surpreendeu, em começo de carreira, como pintor publicitário, morando com a esposa em condições precárias, num pequeno alojamento, nos fundos de sua oficina de pintura de placas, faixas e cartazes da Avenida Tavares de Lyra, Ribeira.

- Ele me mandou escolher entre uma casa de alvenaria, boa, com terreno grande, fruteiras, nas Rocas, ou outra, de taipa, pequena, mas diante do mar, no Juruá. Escolhi a do Juruá.

Quando cheguei, em 1949, tudo aqui era mato, essa vegetação baixa dos areais de dunas. A paisagem, belíssima: o forte, os confins de Genipabu; os pontais encoqueirados de Areia Preta, logo ali embaixo, diante de mim. E eu tinha fascínio por casas de taipa.

Pedro Grilo Neto, filho de Pedro Grilo Filho e Lídia Gonçalves de Souza, nasceu em Natal, "na maternidade Januário Cicco, do Hospital Miguel Couto – já era chamada assim", em 30 de setembro de 1936. Seu pai "trabalhava na Inspetoria de Polícia; que depois virou Detran. Era contador. Terminou tesoureiro do Detran. Mamãe cuidava da casa e fazia pastéis para vender."

De colo, foi levado para a residência dos avós maternos, em Goianinha, área rural. "A primeira lembrança que eu tenho da minha vida é a de um rabequeiro, nosso vizinho mais próximo; a cem metros da casa do sítio da minha avó: Sítio Guariba, próximo ao Engenho de Bom Jardim. Meus avós paternos também tinham um sítio ali, o Boa Vista. O rabequeiro tocava no Boi de Reis. Eu gostava de passear a cavalo quando não estava nas horas duras da labuta, com meus primos, no roçado: feijão, milho, arroz; o gado. Tinha vacaria."

"Quando cheguei, isso aqui era a Vila Pedro Vilela, da paróquia de Nossa Senhora Aparecida. Só tinha mato e o morro lá pra cima. Foi Mundo Novo, Novo Mundo, só muito depois, veio a se chamar Mãe Luíza."

- Aos sete anos, cheguei para morar em Natal, para estudar. Meus pais moravam numa casa da Rua do Areal, Rocas; bem pertinho da Ribeira. Os fundos da casa ficavam para o Sítio de Luzimar, onde tinha vacaria e a Lagoa do Jacó. Agradeço ao meu pai o meu código de vida: um dia ele me flagrou comendo uma melancia tirada do sítio de Luzimar e me deu umas cinturãozadas que eu nunca esqueci.

Pedro Grilo era menino treloso, muito inteligente, sagaz. Seu pai comprou as Cartilha do ABC e Cartilha de Aritmética, e, em um mês, "eu devorei tudo. Papai me botou na escola do professor João Carlos, para estudar a cartilha Ensino Rápido; depois a Vamos Ler, editada em Portugal. Devorei tudo."

- Lia tudo, pra lá e pra cá. Nos sítios de Goianinha, eu lia os cordéis e ouvia a música do rabequeiro do boi de reis. Não me lembro seu nome.

O professor João Carlos logo recomendou que seu Pedro Grilo Filho levasse Pedro Grilo Neto para o Grupo Escolar Modelo Augusto Severo, "do lado do Teatro".

O pai escreveu uma carta de apresentação para o diretor Mário Cavalcanti e o menino foi ali matriculado. Foi dar trabalho ao professor Clementino Câmara e muitos outros professores.

- Por conta de minhas travessuras, levei muita reguada na cabeça; bolo de palmatória nas mãos; ficava de joelhos sobre caroços de milho seco, atrás da porta da sala de aula. Só tirava 9 e 10, mas vivia de castigo.

Quando aparecia qualquer coisa errada na escola, já diziam: é coisa de Pedro Grilo. Mas os professores gostavam de mim. Papai era chamado à escola, eu escondia os bilhetes da diretoria.

Dizia na escola que papai me dera uma surra, uns puxavantes de orelha e me botara de castigo; que pedia paciência aos professores, pois não tinha tempo para atender ao chamado. Uma vez, peguei uma foto do professor Clementino e levei para casa.

Quadriqualizei uma cartolina e fiz o retrato dele, usando lápis 1 e 2, explorando as sombras. Eu tinha visto numa revista como se usava a técnica da quadriculização e já desenhava quadriqualizando. Aprendi sozinho. Ele ficou muito admirado e grato pelo presente; pela homenagem. Me elogiou bastante.

Fim de ano, chamado à diretoria: "seu Grilo, aproveitamento quase 10; comportamento, zero. A média dá abaixo de 5. O senhor está reprovado.

- Eu vivia desenhando os personagens da História do Brasil: Tiradentes, Tamandaré, Caxias, Dom Pedro II, Padre Feijó, Carlos Gomes. Queria viver desenhando.

Um dia, desenhei Castro Alves e dei a peça a Villaça, um alfaiate que trabalhava na Tavares de Lyra. A fama do menino desenhista se espalhou. Eu gostava da Ribeira. Lia muito, mas não estudava mais. Aos 14 anos, fui trabalhar no Armazém Potiguar, esquina da Tavares de Lyra com a Doutor Barata.

O menino Grilo pintava cartazes de preços, tabuletas, e; ajudava nas entregas. "Papai já morava na Rua Estrada de Areia Preta, hoje chamada Tuiuti, lá embaixo, na Cirolândia. Fui trabalhar para ajudar meu pai. Saía de casa desembalado, numa carreira só; até a Ribeira. Ganhava pouco e eles exigiam muito de mim. Um dia, me aborreci com um mau tratamento recebido e pedi as contas.

Passei um período na Colombo, dos Miranda, também proprietários da Confeitaria Cisne, na Cidade Alta, quando recebi um convite para pintar, em Mossoró, vinte painéis publicitários da Farinha das Mercês e do Farroz. Trabalhei três dias e ganhei muito mais dinheiro do que o que ganhava com o trabalho de meses no Armazém Potiguar.

Quando voltei, fui ao balcão do armazém e disse que queria uns cortes: L-120, HJ, para os ternos; cambraias holandesa e belga, para as camisas. Ninguém acreditou. Mandei embrulhar e levar lá em casa, que eu ainda tinha que passar na Natal Modelo, de Manoel Mesquita, na Doutor Barata, para pegar os sapatos encomendados: pares Fox e DNB. Agora eu era cliente, não era mais entregador: eles foram deixar os cortes lá no Juruá."

Grilo levou a vida a pintar seus painéis publicitários, serviços encomendados por muitas firmas da cidade. Sempre foi boêmio. Gosta de soltar a voz em tangos, fados, boleros chorosos. "Canto um tango de 1910, de muito antes de Gardel." Ficou conhecido na cidade como o pintor dos muros, da propaganda e dos letreiros.

Para proteger a visão do sol das calçadas, passou a usar chapéu, costumeiramente. A princípio, "de massa", depois, e, definitivamente, os de palha. Veste-se com elegância; tem preferência pelos ternos brancos ou pretos, e sempre está acompanhado, além do vistoso chapelão de palha à cabeça, de um cajado ou uma bengada, "depois que a visão cansou e eu passei a levar tropeçadas."

Enquanto pintava seus painéis publicitários, Grilo cantava: enchia a cidade com sua voz afinada. Vozeirão. Hoje não bebe mais. Sua boemia é restrita. Às vezes, canta em eventos, como nos recitais da Sociedade dos Poetas Vivos e Afins, da qual é filiado e militante.

Grilo faz trovas, escreve. É membro da Academia de Trovas. Uma trova sua foi premiada em concurso nacional realizado no Rio Grande do Sul.

É personagem marcante do centro histórico de Natal, onde, por anos, era visto frequentemente nas calçadas do Café São Luís. "Hoje, prefiro um Café mais reservado, o Bom Café, ali perto."

Em 1999, dado à sua irreverência como personagem de cidade, diferente, conhecido de todos, foi entrevistado no Programa do Jô.

Em 2004, um amigo lhe chegou com três fotos desbotadas das Rocas ainda alagadiço. O amigo perguntou se ele seria capaz de pintá-las. Aceitou o desafio. Comprou tintas, três telas 100 cm X 80 cm e quadriqualizou-as; riscou no quadriculado os traços do desenho que se formava e pintou as três telas em poucos dias.

Nascia uma coleção de 80 peças, de beleza plástica de alta qualidade, retratando a cidade do Natal antiga, suas casas, praças, monumentos e ruas. Relíquias. Ele conseguia a foto antiga da cidade, riscava, pintava, e nos trazia uma Natal antiga colorida, bela, mágica.

Pedro Grilo Neto não quer sua obra dispersa: da Coleção Grilo Borratela, nome artístico que assumiu, vende reproduções também por ele pintadas, a preço baixo; as originais recusa vender, a não ser no atacado: R$ 270 mil reais é o que pede pelos 80 quadros.

Pelo valor sentimental e de documentação que a obra de Grilo Borratela representa para a cidade, já deveria estar adquirida e tombada pela Capitania das Artes, para ser, como acervo, patrimônio vivo, histórico e imaterial de Natal.

Grilo muitas vezes recebe a crítica de não ser um criador; ser copista, de apenas transformar fotos em pinturas. "Fotos sem cor, desbotadas, gastas pelo tempo. Dou cores e vida a elas. Trago comigo uma cidade bonita que Natal foi um dia; junto elementos que a fotografia não traz. Não é a mesma coisa."

E não é, mesmo: na Natal trovadora de Grilo, encontramos poesia. Muitas peças estão maltratadas, sujas, depreciadas. Algumas necessitam restauro.

A casa onde mora é casa pobre, pequena, apertada. Ele não tem onde armazená-las com o devido zelo. Na hora de transportá-las para alguma exposição, também sofrem: não são transladadas adequadamente.

Grilo é casado com dona Francisca de Oliveira Grilo. Tiveram quatro filhos, três homens, uma mulher. Um deles, "o intermediário, até que começou a desenhar também; a pintar uns cartazes. Mas depois deixou."


*Original: "Das Lagoas Azuis ao Ponto Negro" - Minha Cidade Natal (2918)

 

 

 

 

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