O tradicional Estádio Juvenal Lamartine numa versão pictórica pelos dedos mágicos do artista norte-rio-grandense Pedro Grilo Neto |
Pedro Grilo Neto, um "borratelas" que nos devolveu em tintas o encantamento da Natal antiga
Eduardo Alexandre de
Amorim Garcia (DUNGA)*
Pedro Grilo, o apelido é um trocadilho jocoso |
Ele se diz morador de Areia Preta: não abre mão disso. Mora em uma casinha de taipa numa baixada do morro de Mãe Luíza, na Rua Guanabara, limítrofe dos bairros Areia Preta e Mãe Luíza, Natal. Pelos traçados da oficialidade, a casa onde mora se situa em Mãe Luíza.
A casa foi um presente do
pai, que o surpreendeu, em começo de carreira, como pintor publicitário,
morando com a esposa em condições precárias, num pequeno alojamento, nos fundos
de sua oficina de pintura de placas, faixas e cartazes da Avenida Tavares de
Lyra, Ribeira.
- Ele me mandou escolher
entre uma casa de alvenaria, boa, com terreno grande, fruteiras, nas Rocas, ou
outra, de taipa, pequena, mas diante do mar, no Juruá. Escolhi a do Juruá.
Quando cheguei, em 1949,
tudo aqui era mato, essa vegetação baixa dos areais de dunas. A paisagem, belíssima:
o forte, os confins de Genipabu; os pontais encoqueirados de Areia Preta, logo
ali embaixo, diante de mim. E eu tinha fascínio por casas de taipa.
Pedro Grilo Neto, filho
de Pedro Grilo Filho e Lídia Gonçalves de Souza, nasceu em Natal, "na
maternidade Januário Cicco, do Hospital Miguel Couto – já era chamada
assim", em 30 de setembro de 1936. Seu pai "trabalhava na Inspetoria
de Polícia; que depois virou Detran. Era contador. Terminou tesoureiro do
Detran. Mamãe cuidava da casa e fazia pastéis para vender."
De colo, foi levado para
a residência dos avós maternos, em Goianinha, área rural. "A primeira
lembrança que eu tenho da minha vida é a de um rabequeiro, nosso vizinho mais
próximo; a cem metros da casa do sítio da minha avó: Sítio Guariba, próximo ao
Engenho de Bom Jardim. Meus avós paternos também tinham um sítio ali, o Boa
Vista. O rabequeiro tocava no Boi de Reis. Eu gostava de passear a cavalo
quando não estava nas horas duras da labuta, com meus primos, no roçado:
feijão, milho, arroz; o gado. Tinha vacaria."
"Quando cheguei,
isso aqui era a Vila Pedro Vilela, da paróquia de Nossa Senhora Aparecida. Só
tinha mato e o morro lá pra cima. Foi Mundo Novo, Novo Mundo, só muito depois,
veio a se chamar Mãe Luíza."
- Aos sete anos, cheguei
para morar em Natal, para estudar. Meus pais moravam numa casa da Rua do Areal,
Rocas; bem pertinho da Ribeira. Os fundos da casa ficavam para o Sítio de
Luzimar, onde tinha vacaria e a Lagoa do Jacó. Agradeço ao meu pai o meu código
de vida: um dia ele me flagrou comendo uma melancia tirada do sítio de Luzimar
e me deu umas cinturãozadas que eu nunca esqueci.
Pedro Grilo era menino
treloso, muito inteligente, sagaz. Seu pai comprou as Cartilha do ABC e
Cartilha de Aritmética, e, em um mês, "eu devorei tudo. Papai me botou na
escola do professor João Carlos, para estudar a cartilha Ensino Rápido; depois
a Vamos Ler, editada em Portugal. Devorei tudo."
- Lia tudo, pra lá e pra
cá. Nos sítios de Goianinha, eu lia os cordéis e ouvia a música do rabequeiro
do boi de reis. Não me lembro seu nome.
O professor João Carlos logo recomendou que seu Pedro Grilo Filho levasse Pedro Grilo Neto para o Grupo Escolar Modelo Augusto Severo, "do lado do Teatro".
O pai escreveu uma carta de apresentação para o diretor Mário Cavalcanti e o menino foi ali matriculado. Foi dar trabalho ao professor Clementino Câmara e muitos outros professores.
- Por conta de minhas travessuras, levei muita reguada na cabeça; bolo de palmatória nas mãos; ficava de joelhos sobre caroços de milho seco, atrás da porta da sala de aula. Só tirava 9 e 10, mas vivia de castigo.
Quando aparecia qualquer coisa errada na
escola, já diziam: é coisa de Pedro Grilo. Mas os professores gostavam de mim.
Papai era chamado à escola, eu escondia os bilhetes da diretoria.
Dizia na escola que papai
me dera uma surra, uns puxavantes de orelha e me botara de castigo; que pedia
paciência aos professores, pois não tinha tempo para atender ao chamado. Uma
vez, peguei uma foto do professor Clementino e levei para casa.
Quadriqualizei uma
cartolina e fiz o retrato dele, usando lápis 1 e 2, explorando as sombras. Eu
tinha visto numa revista como se usava a técnica da quadriculização e já
desenhava quadriqualizando. Aprendi sozinho. Ele ficou muito admirado e grato
pelo presente; pela homenagem. Me elogiou bastante.
Fim de ano, chamado à
diretoria: "seu Grilo, aproveitamento quase 10; comportamento, zero. A
média dá abaixo de 5. O senhor está reprovado.
- Eu vivia desenhando os
personagens da História do Brasil: Tiradentes, Tamandaré, Caxias, Dom Pedro II,
Padre Feijó, Carlos Gomes. Queria viver desenhando.
Um dia, desenhei Castro
Alves e dei a peça a Villaça, um alfaiate que trabalhava na Tavares de Lyra. A
fama do menino desenhista se espalhou. Eu gostava da Ribeira. Lia muito, mas
não estudava mais. Aos 14 anos, fui trabalhar no Armazém Potiguar, esquina da
Tavares de Lyra com a Doutor Barata.
O menino Grilo pintava
cartazes de preços, tabuletas, e; ajudava nas entregas. "Papai já morava
na Rua Estrada de Areia Preta, hoje chamada Tuiuti, lá embaixo, na Cirolândia.
Fui trabalhar para ajudar meu pai. Saía de casa desembalado, numa carreira só;
até a Ribeira. Ganhava pouco e eles exigiam muito de mim. Um dia, me aborreci
com um mau tratamento recebido e pedi as contas.
Passei um período na
Colombo, dos Miranda, também proprietários da Confeitaria Cisne, na Cidade
Alta, quando recebi um convite para pintar, em Mossoró, vinte painéis
publicitários da Farinha das Mercês e do Farroz. Trabalhei três dias e ganhei
muito mais dinheiro do que o que ganhava com o trabalho de meses no Armazém
Potiguar.
Quando voltei, fui ao
balcão do armazém e disse que queria uns cortes: L-120, HJ, para os ternos;
cambraias holandesa e belga, para as camisas. Ninguém acreditou. Mandei
embrulhar e levar lá em casa, que eu ainda tinha que passar na Natal Modelo, de
Manoel Mesquita, na Doutor Barata, para pegar os sapatos encomendados: pares
Fox e DNB. Agora eu era cliente, não era mais entregador: eles foram deixar os
cortes lá no Juruá."
Grilo levou a vida a
pintar seus painéis publicitários, serviços encomendados por muitas firmas da
cidade. Sempre foi boêmio. Gosta de soltar a voz em tangos, fados, boleros
chorosos. "Canto um tango de 1910, de muito antes de Gardel." Ficou
conhecido na cidade como o pintor dos muros, da propaganda e dos letreiros.
Para proteger a visão do
sol das calçadas, passou a usar chapéu, costumeiramente. A princípio, "de
massa", depois, e, definitivamente, os de palha. Veste-se com elegância;
tem preferência pelos ternos brancos ou pretos, e sempre está acompanhado, além
do vistoso chapelão de palha à cabeça, de um cajado ou uma bengada,
"depois que a visão cansou e eu passei a levar tropeçadas."
Enquanto pintava seus
painéis publicitários, Grilo cantava: enchia a cidade com sua voz afinada. Vozeirão.
Hoje não bebe mais. Sua boemia é restrita. Às vezes, canta em eventos, como nos
recitais da Sociedade dos Poetas Vivos e Afins, da qual é filiado e militante.
Grilo faz trovas,
escreve. É membro da Academia de Trovas. Uma trova sua foi premiada em concurso
nacional realizado no Rio Grande do Sul.
É personagem marcante do
centro histórico de Natal, onde, por anos, era visto frequentemente nas
calçadas do Café São Luís. "Hoje, prefiro um Café mais reservado, o Bom
Café, ali perto."
Em 1999, dado à sua irreverência
como personagem de cidade, diferente, conhecido de todos, foi entrevistado no
Programa do Jô.
Em 2004, um amigo lhe
chegou com três fotos desbotadas das Rocas ainda alagadiço. O amigo perguntou
se ele seria capaz de pintá-las. Aceitou o desafio. Comprou tintas, três telas
100 cm X 80 cm e quadriqualizou-as; riscou no quadriculado os traços do desenho
que se formava e pintou as três telas em poucos dias.
Nascia uma coleção de 80
peças, de beleza plástica de alta qualidade, retratando a cidade do Natal
antiga, suas casas, praças, monumentos e ruas. Relíquias. Ele conseguia a foto
antiga da cidade, riscava, pintava, e nos trazia uma Natal antiga colorida,
bela, mágica.
Pedro Grilo Neto não quer
sua obra dispersa: da Coleção Grilo Borratela, nome artístico que assumiu,
vende reproduções também por ele pintadas, a preço baixo; as originais recusa
vender, a não ser no atacado: R$ 270 mil reais é o que pede pelos 80 quadros.
Pelo valor sentimental e
de documentação que a obra de Grilo Borratela representa para a cidade, já
deveria estar adquirida e tombada pela Capitania das Artes, para ser, como
acervo, patrimônio vivo, histórico e imaterial de Natal.
Grilo muitas vezes recebe
a crítica de não ser um criador; ser copista, de apenas transformar fotos em
pinturas. "Fotos sem cor, desbotadas, gastas pelo tempo. Dou cores e vida
a elas. Trago comigo uma cidade bonita que Natal foi um dia; junto elementos
que a fotografia não traz. Não é a mesma coisa."
E não é, mesmo: na Natal
trovadora de Grilo, encontramos poesia. Muitas peças estão maltratadas, sujas,
depreciadas. Algumas necessitam restauro.
A casa onde mora é casa
pobre, pequena, apertada. Ele não tem onde armazená-las com o devido zelo. Na
hora de transportá-las para alguma exposição, também sofrem: não são
transladadas adequadamente.
Grilo é casado com dona
Francisca de Oliveira Grilo. Tiveram quatro filhos, três homens, uma mulher. Um
deles, "o intermediário, até que começou a desenhar também; a pintar uns
cartazes. Mas depois deixou."
*Original: "Das Lagoas Azuis ao Ponto Negro" - Minha Cidade Natal (2918)
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