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domingo, 8 de outubro de 2023

Editor de site cultural usa luva de pelica para desancar interlocutor incógnito


ARTIGO

VANGUARDA E FASCISMO

Alexsandro Alves

Editor do site "Navegos"

A ligação entre as vanguardas estéticas e o totalitarismo político são questões que os adeptos dos modernismos, hoje, não querem lembrar ou mesmo não sabem!

Eis a lei: dizer coisas sérias sorrindo (Nietzsche). Eu quero seriedade no início, mas quero uma risadinha no final…

Inicio esse artigo elencando os pontos do primeiro manifesto futurista, 05 de fevereiro de 1909:

Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito da energia e do destemor.

A coragem, a audácia, a rebelião serão elementos essenciais de nossa poesia.

A literatura exaltou até hoje a imobilidade pensativa, o êxtase, o sono. Nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o passo de corrida, o salto mortal, o bofetão e o soco.

Nós afirmamos que a magnificência do mundo enriqueceu-se de uma beleza nova: a beleza da velocidade. Um automóvel de corrida com seu cofre enfeitado com tubos grossos, semelhantes a serpentes de hálito explosivo… um automóvel rugidor, que correr sobre a metralha, é mais bonito que a Vitória de Samotrácia.

Nós queremos entoar hinos ao homem que segura o volante, cuja haste ideal atravessa a Terra, lançada também numa corrida sobre o circuito da sua órbita.

É preciso que o poeta prodigalize com ardor, fausto e munificência para aumentar o entusiástico fervor dos elementos primordiais.

Não há mais beleza, a não ser na luta. Nenhuma obra que não tenha um caráter agressivo pode ser uma obra-prima. A poesia deve ser concebida como um violento assalto contra as forças desconhecidas, para obrigá-las a prostrar-se diante do homem.

Nós estamos no promontório extremo dos séculos!… Por que haveríamos de olhar para trás, se queremos arrombar as misteriosas portas do Impossível? O Tempo e o Espaço morreram ontem. Nós já estamos vivendo no absoluto, pois já criamos a eterna velocidade onipresente.

Nós queremos glorificar a guerra – única higiene do mundo – o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos libertários, as belas ideias pelas quais se morre e o desprezo pela mulher.

Nós queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academias de toda natureza, e combater o moralismo, o feminismo e toda vileza oportunista e utilitária.

Nós cantaremos as grandes multidões agitadas pelo trabalho, pelo prazer ou pela sublevação; cantaremos as marés multicores e polifônicas das revoluções nas capitais modernas; cantaremos o vibrante fervor noturno dos arsenais e dos estaleiros incendiados por violentas luas elétricas; as estações esganadas, devoradoras de serpentes que fumam; as oficinas penduradas às nuvens pelos fios contorcidos de suas fumaças; as pontes, semelhantes a ginastas gigantes que cavalgam os rios, faiscantes ao sol com um luzir de facas; os piróscafos aventurosos que farejam o horizonte, as locomotivas de largo peito, que pateiam sobre os trilhos, como enormes cavalos de aço enleados de carros; e o voo rasante dos aviões, cuja hélice freme ao vento, como uma bandeira, e parece aplaudir como uma multidão entusiasta.

É da Itália, que nós lançamos pelo mundo este nosso manifesto de violência arrebatadora e incendiária, com o qual fundamos hoje o “futurismo”, porque queremos libertar este país de sua fétida gangrena de professores, de arqueólogos, de cicerones e de antiquários. Já é tempo de a Itália deixar de ser um mercado de belchiores. Nós queremos libertá-la dos inúmeros museus que a cobrem toda de inúmeros cemitérios.

O Futurismo foi uma vanguarda estética modernista que teve ampla influência da Semana de Arte Moderna de 22, aquela, da elite paulistana.

Acreditem, por ter uma visão conservadora da arte, me tacharam de ultradireita em um grupo de Whatsapp. E isso, no Brasil de hoje, é o mesmo que ser tachado de fascista.

Evidente que tal acusação também tem o objetivo de interditar o debate através da imposição de um rótulo à imagem do outro: acusar violentamente é a opção democrática de certos  movimentos sociais e de seus filiados, sendo a opção mais fácil também. Rótulo é imagem parada e silenciada no tempo e no espaço, está ali como um aviso, um aviso de cuidado; não olhem, não conversem, ele é ultradireita, ele é fascista.

Pois bem. Ao que interessa.

O propósito das vanguardas estéticas é a desconstrução dos modelos antigos, clássicos, da arte. Isto é muito bem colocado na manifesto acima.

Porém, uma desconstrução estética só tem sentido se houver uma mudança radical, uma desconstrução, também no social. Porque a arte é a expressão estética de um modo de ser, agir e pensar, de uma visão de mundo, de uma época.

Por isso que Marinetti deseja a destruição, a guerra. Mas essa guerra também é a revolta do proletariado, do trabalhador, como ele fala no manifesto.

Revolução e vanguarda caminham juntas, sempre.

Na época de Marinetti, os futuristas abraçaram o fascismo. Muitos dos futuristas eram fascistas. Se alinhavam no ódio que cultivavam contra as tradições.

Esse mesmo ódio também foi alimentado pelos comunistas soviéticos.

***

Onde está, portanto, meu “fascismo” pelo meu conservadorismo estético? Inexiste.

Conservadorismo não implica destruição ou ruptura com o que já foi estabelecido. Isso é modernismo na estética, e fascismo na política.

Mas então, se esse modernismo estético e político abraçava o ódio às mulheres e ao feminismo, como se explica que hoje as ditas vanguardas e partidos progressistas absorvam uma e outra coisa?

Eu entendo como uma mudança conservadora que estes partidos e estas vanguardas abraçaram.

Mudança conservadora?

O conservadorismo não é uma pedra imutável. As mudanças ocorrem e são absorvidas dentro de intervalos de tempo condizentes com a percepção social – nunca a mudança vem de repente, com um ato violento de ruptura. A mudança vai se tornando aceitável, se integrando ao tecido social.

Foi assim com o divórcio. Foi assim com o trabalho feminino. Foi assim com o voto feminino. Será assim com as pessoas trans.

Quando o tecido social for capaz de adequar em si as mudanças, elas serão pintadas nesse tecido.

Não por pressão de grupos minoritários. Mas pela necessidade da maioria.

O trabalho feminino foi aceito quando o capitalismo compreendeu que assim urgia essa mudança. Os grupos sociais são, no máximo, autofalantes amplificadores.

Essas mudanças, revolucionárias em suas épocas, hoje são status quo. As mudanças não mudaram as raízes. O conservadorismo sabe acolher e incorporar como seus as mudanças pensadas como revolucionárias.

Vejam as vanguardas hoje.

Uma gente branca, descolada, tatuada, fumando maconha enquanto come seu big mack com Coca-Cola. Ou então mulheres negras usando bolsas Prada de 16 mil reais e outras marcas capitalistas acusadas de trabalho escravo. Ou índios disputando vagas em conservadoras academias de letras. Ou gays e lésbicas exigindo reconhecimento marital, filhos e família. Até igreja cristã gay existe. A revolução para sobreviver precisou se tornar fashion e palatável. Precisou incorporar símbolos e marcas que critica. É sempre assim.

***

A acusação de fascista, portanto, é desconhecimento por parte de quem proferiu a diatribe contra esse escriba. Para quem tem um mínimo de sentido de conexões históricas, o ideal de origem do fascismo é encontrado no Futurismo que trouxe a ideia de que é preciso sair às ruas, impor sua perspectiva, calando a voz daqueles que não concordam […] o desejo de romper com todas as tradições (Benedetto Croce); além disso, Marinetti fazia parte da cúpula do Partido Fascista e, muito interessante, ao mesmo tempo apoiava grupos comunistas em outros países.  Chegou a dizer que o fascismo era uma extensão do futurismo. Quando Marinetti morreu, Mussolini ordenou um funeral de chefe de estado para o poeta, tal era a aproximação entre os dois.

Hoje, o indivíduo de vanguarda “esquece” de sua origem fascista e acusa o contraditório exatamente de “fascista”. Mas não é fascismo. Ao menos da minha parte… É apenas uma silenciosa inteligência sorrindo dessas vanguardas revolucionárias, sempre prontas e desejosas de serem reconhecidas pelo establishment: comprando grifes para poucos, entrando em grupinhos para o chá das cinco, adotando crianças.

Não é, portanto, divertido quando um escritor grita que é revolucionário, enquanto seus livros são publicados dentro de todas as normas de mercado?

Eu adoro!


 


 

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