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sábado, 9 de setembro de 2023

Verbete e crônica biográfica sobre aristocrata potiguar do futebol carioca


O pesquisador, torcedor banguense e jornalista Carlos Molinari Rodrigues Severino – autor do almanaque do clube – descreve o Raul Barreto de Albuquerque Maranhão (Natal, 13/9/1897 – Rio de Janeiro, 15/9/1980) como atleta no verbete da letra “r” (primeiro parágrafo). E o retrata, do segundo em diante, na crônica “Um fidalgo jogador do Bangu (Blog Historiadores dos Esportes, 11/10/2018).

- Considerado jogador viril com chute fortíssimo, porém inútil. O que fazia, na verdade, era dar um “balão” na bola para que ela subisse o mais alto possível - uma espécie de “jornada nas estrelas”. Como o esporte em si ainda era uma curiosidade, os “balões” desnecessários achavam espaço nos clubes.

- O jovem de 18 anos é aceito sócio do clube (19/1), justamente para jogar, coisa que não fazia muito bem, segundo a crônica da Gazeta de Notícias:

“O team resume-se em quatro jogadores: o goleiro, Harrison, Leigh e Hill. O resto não tem combinação nenhuma, entendendo estes que futebol é correr dando pontapés na bola. Dentre este resto salienta-se Maranhão, que também jogou em cada tempo em um lugar diferente. Este nunca jogou, nem conhece absolutamente as mais rudimentares regras do Association”.

“Jurou aos deuses que há de elevar uma bola mais alto que o Corcovado e também por o Pão de Açúcar no chão com uma ‘charger’ (carga), e aproveita este jogo para se exercitar. Recomendamos que, se quer continuar a jogar, ou repare como joga um Buchan, um Gulden ou um Pullen, para ver se consegue imitá-los, ou então leia com atenção qualquer tratado de futebol.”

De família abastada. O avô fora senhor de engenho e dono da primeira fábrica de tecidos de algodão da província. O pai, Amaro, conhece na França, Louise Antoniete Crainê, de 16. Casam em Paris. O casal veio para o Rio Grande do Norte. A jovem teve dez filhos, dos quais seis sobreviveram à idade adulta: Jorge, Raul, Mário, Carlos, Alice e Suzana.

A família se muda para o Rio de Janeiro (1897), quando o patriarca foi nomeado professor de piano e canto do Internato do Ginásio Nacional. Em 1899 acumula outro emprego, no Colégio Pio Americano (São Cristóvão). E dava aulas no curso diurno da Escola Normal.

A família vive confortavelmente em Botafogo (Rua da Passagem). Depois Vila Moraes (Rua São Clemente). No mesmo bairro de elite da Zona Sul. Natural que os filhos tivessem educação de alta qualidade. Raul, por exemplo, estudava no Colégio Alfredo Gomes (Rua das Laranjeiras) para meninos.

No Alfredo Gomes descobre o futebol, a primeira paixão, como relembrou Paulo Hassbocher, Ministro Plenipotenciário do Brasil no Panamá, nos anos 40:

“A minha turma – Raul, Almir Antunes, João Baptista Lemos, e mais alguns – treinava num campo alugado a 10 mil réis por mês, onde mais tarde se construiu o estádio do Fluminense” (Rua Álvaro Chaves, Laranjeiras).

A vida do menino rico permite conhecer gente importante e ver cenas inimagináveis. Vizinho do famoso advogado baiano Ruy Barbosa, o Águia de Haia, Raul jura que viu um popular chamar o grande político de “analfabeto”:

“Certa tarde de inverno, saindo do seu palacete à Rua São Clemente, Barbosa foi tomar um bonde. E como fosse míope e as sombras da noite viessem caindo sobre a terra, perguntou a um sujeito: – Cavalheiro, pode fazer-me o favor de dizer que bonde é este? O homem olhou-o e respondeu: – Sinto, mas eu também sou analfabeto…

Com o surgimento dos primeiros clubes, Raul Maranhão foi aproveitando o modismo e se filiando os vários deles. Em 1905 veste a camisa de quatro equipes. Era uma escolha natural, visto que os primeiros jogadores botafoguenses oriundos do mesmo colégio.

Numa partida desperdiçou um pênalti, impedindo-o de ser o autor do primeiro gol do clube. No mesmo ano, em junho, joga pelo Football & Athletic, da Tijuca (Zona Norte), contra o Bangu, e sai vitorioso (2 a 0), anotando um dos gols.

Ao mesmo tempo era o procurador do Internacional, ou seja, aquele membro da diretoria responsável pelo recolhimento das mensalidades dos sócios e ainda arruma tempo para defender o Humaytá contra o Guanabarino. O Humaytá era, praticamente, um clube da família Maranhão: os irmãos Carlos e Mário também faziam parte daquele time.

Deixa de jogar pelos clubes da Zona Sul quando se torna o responsável pela expulsão do Botafogo do campo do Largo dos Leões.

A mudança do alvinegro para a Rua Conde de Irajá foi apressada por um chute doido, inteiramente descabido, que Maranhão deu, sacudindo a pelota sobre a claraboia da casa dos Figueiredo, despedaçando-a completamente.

Eram vinte e cinco vidros, cada vidro custava cinco mil-réis, uma fortuna que o Botafogo não poderia pagar. Para o clube, era melhor sair do largo. Para Raul, era melhor sair do Botafogo

Foi para o Bangu, terminando em quinto lugar no primeiro Carioca. Em 1907 está no Riachuelo, time da Segunda Divisão. Em 1908 continuou e foi o pivô da eliminação do clube no campeonato.

Em 19/7 o Rio Cricket (Niterói) recebe o Riachuelo. Como o árbitro escalado – o tricolor Horácio Costa Santos -, faltou, foi escolhido de comum acordo para apitar o match o sócio inglês do Rio Cricket, mister Moreton.

No segundo tempo o Riachuelo vencia por 2 a 1, quando o britânico resolveu ignorar toque na área contra sua equipe. Raul protestar e foi expulso. O capitão do Riachuelo, Nabuco Prado, sai de campo em solidariedade e determina que os demais abandonem a cancha, mesmo com o Riachuelo vencendo.

No tribunal de penas da Liga Raul e Nabuco foram suspensos até o final da temporada e o Riachuelo foi punido com a sanção de três jogos. Ao ouvir a pena imposta, Gustavo Joppert, representante do clube alviverde, decidiu sair da Liga. A partida entre Rio Cricket e Riachuelo teve o resultado alterado: o Rio Cricket ganhou os pontos por abandono de campo do rival.

“No mundo esportivo causou grande sensação a decisão tomada ontem pela Liga Metropolitana dos Sports Athléticos sobre o incidente ocorrido quando, domingo, disputavam um match o Riachuelo e o Rio Cricket.

Na nossa seção competente, narramos o incidente como ele se deu. Maranhão foi ameaçado pelo Moreton, que era o referee, de ser expulso. Rapaz brioso saiu do campo e o team do club acompanhou-o. A Liga reuniu-se ontem para deliberar sobre este incidente e a sua deliberação foi severíssima: decidiu suspender o Riachuelo por toda temporada e suspender Maranhão por tempo indeterminado.”

No ano seguinte, livre da suspensão, voltou aos gramados veste a camisa do Mangueira, ligado a Fábrica de Chapéus Mangueira. Após derrotas para o Haddock Lobo e o Riachuelo enfrenta o Botafogo, no campo da Rua Voluntários da Pátria.

Naquele dia 30/5 o Mangueira se apresentou com dez jogadores. Raul entre eles. Gilbert Hime fez nove! Botafogo 24 x 0 se eternizou como a maior goleada do futebol brasileiro.

O vexame fez com que se procurassem culpados. Para o jogo seguinte, contra o América (nova derrota por goleada, desta vez “só” 8 x 0), Maranhão não foi escalado.

Tinha compreendido o recado: era hora de parar definitivamente com o futebol. O Botafogo, time em que tinha iniciado sua carreira esportiva, também tinha sido o responsável direto pelo fim nos gramados.

Passa a se dedicar a Faculdade Livre de Direito (1909). antes mesmo de se formar, foi nomeado escrevente juramentado da 2ª vara de órfãos (1913).

No período em que esteve fora da faculdade casou-se com Odette de Figueiredo Pimentel (maio/1914). Foi passar a lua-de-mel em Nova Friburgo. Publicou o primeiro livro, “Rimas Hylozoístas”, e logo nasce Délio (abril/1915).

Exonerado do cargo público (1916) voltou aos estudos e conseguiu o título de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais (março/1917).

Abriu um escritório de advocacia na Rua Chile. Tornou-se um advogado bem sucedido. Em 1929 já andava de automóvel pela cidade, salvando, a vida do engenheiro Francisco de Oliveira Passos, filho do prefeito Pereira Passos, que se envolvera num acidente na Avenida Beira-Mar.

A política passou a entrar na vida de Raul Maranhão naquele ano, inaugurando na ilha de Paquetá um comitê pró-Júlio Prestes, o paulista apoiado pelo presidente Washington Luiz, nas eleições de 1930, contra Getúlio Dorneles Vargas.

Fundou o Partido Republicano Regenerador (34), sendo o primeiro e único presidente. Nas eleições de outubro tentou vaga para vereador do Distrito Federal. De seu programa constavam: “defesa do ensino primário obrigatório e gratuito, “nada faltando às crianças, desde o sapato até o chapéu”; distribuição das terras devolutas; assistência hospitalar gratuita; “o enterro uniformizado e gratuito”; aposentadoria dos empregados no comércio e a garantia da família pelo seguro; abolição da polícia especial e elevação dos vencimentos dos guardas civis, inspetores de veículos, Polícia Militar e corporações; fundação da casa do estivador, mais o reajustamento dos vencimentos dos empregados e funcionários da Estrada de Ferro Central do Brasil.”

O PRR não foi à frente e Maranhão nunca mais tentou se candidatar. Porém, denúncia do diretor eleitoral da sigla, o professor Raul d’Ávila Goulart, ele apareceu ligado à Intentona Comunista (27/11/35).

Segundo Goulart, Maranhão era um dos financiadores do movimento, ao lado do prefeito do DF, Pedro Ernesto, Augusto Pamplona e Manoel Vargas Netto (sobrinho de Getúlio). Era algo gravíssimo e fantasioso. Julgado pelo Tribunal de Segurança Nacional foi absolvido.

Maranhão foi advogado da polêmica Sylvia Seraphim, que assassinou o cartunista Roberto, irmão de Mário e Nelson Rodrigues, dentro da redação do jornal A Crítica.

Aceitava processos de anulações de casamento. Na época deixa a Zona Sul e passa a morar em Madureira (Rua dos Lírios). Nos anos 40 foi morar em Santa Teresa (Rua Miguel de Paiva).

Apoia Vargas no recém-criado Instituto Nacional de Ciência Política, do qual era membro fundador. Por duas vezes palestrou favoravelmente ao presidente.

A primeira: “Getúlio Vargas e o Petróleo”; a segunda mais eloqüente: “Getúlio Vargas no cenário universal”.

Com a deposição (1945) voltou a mudar de lado: apoiou o candidato da oposição, o brigadeiro Eduardo Gomes contra o marechal Eurico Gaspar Dutra, o candidato “oficial”.

Considerava-se escritor, tanto que era um dos fundadores da “Sociedade Brasileira dos Homens de Letras” e publicava versinhos na Gazeta de Notícias.

Era amigo de infância do poeta modernista Manuel Bandeira. O pernambucano o cita num poema: “Agradecendo uns maracujás”: Estes não são de gaveta/Estes são do Maranhão/Não do Maranhão Estado/Mas do Maranhão poeta/Raul Maranhão chamado/Amigo do coração.

Em 1942 lançou o seu segundo livro “Fatos e Verdades”. Bandeira, como não podia deixar de ser, escreveu o prefácio, dizendo que Maranhão era “um homem movimentado, observador, sagaz, boa conversa, memória muita e um admirável senso do curioso, do estranho, do diferente”.

A poesia de Maranhão não era das melhores. Tinha ideia fixa pelo “beijo”. Duas quadrinhas ajudam a exemplificar o pensamento do advogado: O beijo melhor de dar/É aquele que a mulher nega/Porque então a gente pega/E beija em qualquer lugar.

O politicamente correto do século XXI, certamente, iria censurar o Maranhão. Outra quadrinha era mais apaixonada: Por toda parte em que eu ando/Persegue-me a idéia louca/De dar-te um/beijo tão grande/Que não te caiba na boca.

Perdeu a esposa Odette que o acompanhara há 54 anos (agosto/1968). Abandona um dos prazeres da vida: o passeio à ilha Cajaibas de Dentro (Baía de Guanabara), herança de família. Em 1970, fixou preço: queria vender a ilha por 60 mil cruzeiros. Era um local paradisíaco, embora fosse de difícil acesso:

“Para chegar à ilha, vai-se até a praia de Nossa Senhora de Lourdes e toma-se uma canoa, no mesmo local em que, no século XVIII, desembarcavam os passageiros para Teresópolis, que vinham de barco do Rio e subiam a serra de carruagem. A poucos metros do desembarcadouro, existem as ruínas de um convento e de uma pequena igreja, onde Anchieta pregou, para colonos e tamoios”.

 

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