
Arthur Pierre pesquisa a fundo
Com fatos e
números Arthur Pierre apresenta o futebol da década de 30*
Para realizar o
levantamento detalhado Arthur Pierre ‘mergulhou’ na Biblioteca
Nacional/Foto: Divulgação
A década de 1931
a 1940 representou um dos períodos mais fascinantes e decisivos para a
consolidação do futebol no Rio Grande do Norte.
Uma pesquisa
meticulosa realizada por Arthur Pierre dos Santos Medeiros revela um cenário
esportivo vibrante, onde a paixão pelo esporte bretão superava a ainda
incipiente estrutura, reunindo multidões no estádio Juvenal Lamartine.
Este foi o palco
onde duas forças antagônicas do esporte local travaram batalhas épicas e
forjaram a mais duradoura rivalidade do estado: ABC e América.
A década começou
com a hegemonia rubra. O América, bicampeão em 1930, reafirmou seu domínio em
1931 com uma campanha sólida, coroada por uma vitória por 4 a 3 sobre o ABC na
partida decisiva.
Jornais como “A
República” noticiavam a euforia alvirrubra, que via em jogadores como Raymundo,
Nenêm e Baltazar os heróis de uma era dourada.
No entanto, o
vento começou a mudar a partir de 1932. Foi nesse ano que o ABC, time
alvinegro, conquistou seu primeiro título oficial, iniciando uma sequência
avassaladora que marcaria a década.
A equipe do ABC
não apenas vencia; impunha sua força, como na goleada de 6 a 1 sobre o América
na abertura do Estadual de 1936, um verdadeiro espetáculo de força.
A rivalidade,
entretanto, era o grande combustível. Trazendo o histórico de uma década, o
“Clássico-Rei” era mais que um jogo; era um evento social que parava Natal.
Partidas como a
de 1931, com o América vencendo por 5 a 4, ou a decisão do Estadual de 1933,
que precisou de três jogos extras para ser decidida, com o ABC levando a melhor
por 6 a 4, entraram para o folclore. Em 1935, o ABC aplicou uma sonora goleada
de 5 a 1, demonstrando o abismo que se formava.
O atacante Xixico
se tornou um pesadelo para a defesa americana, anotando gols em praticamente
todos os confrontos e simbolizando a era de ouro abcedista.
O América
respondia com sua própria raça, conseguindo vitórias importantes, como o 3 a 1
em 1937, quebrando uma invencibilidade alvinegra, mas a regularidade estava com
o rival.
Os campeonatos
estaduais da época eram repletos de particularidades curiosas. A década foi
marcada por paralisações constantes.
O certame de
1936, por exemplo, nunca foi oficialmente concluído, interrompido por uma série
de amistosos interestaduais. Situação semelhante ocorreu em 1938.
A pesquisa de
Arthur Pierre ressalta que os títulos atribuídos ao ABC nesses anos são
baseados na tradição oral e na condição de “campeão moral”, pois não houve
homologação oficial pela ARA (Associação Riograndense de Athletismo).
O futebol não
vivia em uma bolha; visitas de clubes pernambucanos, como Santa Cruz, Sport e
Náutico, ou paraibanos, como Botafogo e Auto Esporte, desviavam a atenção e
paralisavam o calendário local, mostrando uma intensa troca interestadual.
Um capítulo à
parte e de extrema curiosidade foram as partidas internacionais. Em 1931, o
América enfrentou e venceu por 4 a 2 a tripulação do cruzador britânico H.M.S.
Dauntless. O jogo, amplamente noticiado, foi cercado de pompa, com a Taça Eric
Gordon em disputa.
Relatos da época,
citados por Arthur Pierre, descrevem um “fair-play” quase cavalheiresco, com os
ingleses supostamente recusando-se a converter um pênalti por considerar
antiético marcar gol dessa forma.
Anos depois, em
1936, o ABC também mediu forças com um navio da Marinha Britânica, o H.M.S.
Scarborough, embora o resultado desta partida tenha se perdido no tempo. Esses
amistosos eram mais que jogos; eram eventos de afirmação local perante o mundo.
O auge do
reconhecimento do futebol potiguar em nível nacional veio em 1934 com os
“Fantasmas do Norte”. A seleção estadual, formada por craques do ABC e América,
como Xixico, Mário Crise, Cabo João e Hemetério, realizou uma campanha
histórica no Campeonato Brasileiro de Seleções.
Eles conquistaram
o título de Campeã do Nordeste após vencer Paraíba, a poderosa Pernambuco e o
Ceará, só sendo eliminados pela Bahia na semifinal. Este feito, amplamente
documentado na pesquisa, colocou o Rio Grande do Norte no mapa do futebol
nacional e mostrou que, quando unidos, os rivais formavam uma força temível.
Ao final da
década de 1930, o ABC havia estabelecido uma hegemonia incontestável. Entre os
campeonatos oficiais e os “morais”, o alvinegro acumulou a incrível marca de
oito títulos estaduais em dez anos (1932, 1933, 1934, 1935, 1937, 1939 e 1940,
além dos não conclusos campeonatos de 1936 e 1938, este último não relacionado
na galeria do clube).
O América, que
abriu a década no topo, acabou na sombra do rival, conquistando apenas o
bicampeonato em 1931. O pesquisador Arthur Pierre desvenda este período não
apenas com números e placares, mas com as histórias, os personagens e as
rivalidades que transformaram o futebol no Rio Grande do Norte de uma mera
diversão em uma paixão enraizada, cujos ecos do Clássico-Rei nos anos 30 ainda
ressoam nos estádios potiguares como se fosse hoje.
*TRIBUNA DO NORTE
(sábado/domingo – 29/30 de agosto de 2025)
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