"Satanás, o rei dos pênaltis"
Alex Medeiros
Tribuna do Norte (19/11/2024)
- Calma, leitores! Não se trata da convocação do diabo para defender a frágil seleção de Dorival, hoje em Salvador. Reporto-me ao justo e divino trabalho de resgatar do inferno da História a carreira e trajetória de um goleiro. O primeiro grande “goalkeeper” do futebol de Pindorama.
Seu nome, estranho nome, Tuffy Wangeu (há várias versões), uma das mais longevas e brilhantes carreiras de um craque das traves. Atuou de 1917 a 1931, ininterruptamente, vestindo as camisas do Palmeiras, Santos, Sírio (extinto) Corinthians e seleção brasileira, com passagem pelo futebol do Paraná e Rio Grande do Sul.
No começo do século XX, com os alicerces do futebol do Brasil ainda sustentados nos exemplos de Charles Muller, em São Paulo, e Oscar Cox, no Rio, Tuffy dividia as manchetes da imprensa com o genial Arthur Friedenreich.
Seu prestígio como goleiro espetacular se espalhou pelo Sul e Sudeste – regiões de alcance da mídia na época – graças aos notáveis desempenhos debaixo da baliza. O apelido “Satanás” foi o mais apropriado para um goleiro que ia ao encontro da bola com espantosa ferocidade.
Pegava pênaltis com a mesma facilidade que recebia a bola atrasada pelo zagueiro. A média de defesas na distância de 11 metros foi algo que nem Taffarel imaginou alcançar. Virou costume pegar até dois tiros livres por partida.
Causou furor na crônica esportiva dos anos 1920 um jogo entre Santos e Palmeiras em que o goleiro do time verde protagonizou algo jamais repetido em mais de 100 anos de futebol. O time que dali a quatro décadas revelaria Pelé tinha um craque chamado Arnaldo.
Arnaldo era o matador do clube praiano, ícone da torcida. Como um pastor em sessão descarrego, usou violência para superar “Satanás” e mandou o canhão. Tuffy jogou-se na bola e espalmou. No rebote, o atacante redobrou a força e a pontaria.
Caído na primeira defesa, o goleiro esticou-se e deu um tapa na esfera, que ao invés de tomar o rumo lateral voltou aos pés de Arnaldo. Agora, até eu, diria um torcedor do Peixe. Deu-se o inusitado, “Satanás” obrando milagre: pegou o terceiro chute e encaixou a bola, ainda deitado.
Revistas da época, como a Gazeta Ilustrada, enalteciam comumente os feitos diabólicos daquele goleiro, que duas décadas antes de Heleno de Freitas já fazia diabruras com os corações das mulheres. Era tratado em campo e nas ruas como um galã de cinema.
Foi campeão nacional em 1926 e bicampeão paulista pelo Corinthians em 1929 e 1930. Um ano antes de jogar pelo Timão viajou com o Palmeiras (então Palestra Itália) em excursão pela Argentina e Uruguai. Naquele ano de 1925 foi o goleiro do Brasil no Torneio Sul-americano.
Nas três primeiras décadas do século XX, o futebol latino era dominado pelos argentinos e uruguaios, nossos pequenos estádios eram áreas de passeio para os vizinhos. Mas em 1919, como goleiro do Pelotas, Tuffy parou a poderosa seleção da Argentina num amistoso que acabou 0 x 0.
Das tantas noitadas de glamour nas inocentes décadas do nosso futebol, um amigo inseparável dos craques como Tuffy Wangeu era o cigarro Pullman, dito de luxo e com o slogan “O cigarro que todos fumam”. Sua carreira fulgurante e sua vida acabaram em 1935, numa pneumonia.

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